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2. História, tragédia, farsa e o homem

“O 18 de Brumário de Luis Bonaparte” trata da conjuntura social, política e econômica da França desde a tentativa da tomada de poder pelos proletários em 1848, o posterior controle burguês do Estado, até a vitória de Luis Bonaparte durante eleições no mesmo ano, passando por todo o período de disputa entre o então presidente e os burgueses, até a consecução de um golpe de Estado (1851) pelo próprio mandatário do país. Vários temas podem ser observados nesse livro e que são importantes dentro do contexto da obra do autor, tais como: teoria das lutas de classes, a revolução proletária, a doutrina do Estado e a ditadura do proletariado. Mas o objetivo neste item é perceber as condições impostas aos homens naquele momento para fazerem sua História e a relação entre tragédia e farsa feita pelo autor em relação ao golpe bonapartista.

Marx cita Hegel já no começo do livro, ao mencionar que a História é cíclica, ou seja, os acontecimentos se repetem de tempos em tempos e faz uma afirmação própria, um tanto quanto sarcástica e ácida, de que a História acontece de duas formas: a primeira como tragédia e a segunda como farsa, sendo esta uma repetição muito mal feita e ainda mais danosa que o fato anterior. Entre os personagens que estão nesta situação de tragédia e farsa, Marx cita o próprio Napoleão Bonaparte, imperador francês após a Revolução Francesa e seu sobrinho, Luis Bonaparte, objeto de estudo do livro.

Essa relação entre a tragédia e a farsa, em que Marx fala que um acontecimento repete outro de uma forma ainda pior, ocorreria, pois “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado[1]”. Ou seja, os homens individualmente não são responsáveis pelo motor da História, mas esta é movida pela luta entre as classes, que fazem as transformações importantes. De um lado do tabuleiro estão os dominadores, que detém os “meios de produção”, ou seja, a terra, a propriedade privada, as máquinas, as indústrias, etc. Do outro estão os dominados, que possuem apenas sua força de trabalho e, para sobreviver, são obrigados a venderem sua força de trabalho em condições amplamente desiguais. Se na Antiguidade os dominados eram representados pelos escravos e no feudalismo pelos servos, no capitalismo este posto passou a ser ocupado pelos trabalhadores assalariados, o chamado proletariado, que vende sua força de trabalho à burguesia, a classe dominante no jogo do capitalismo. E é todo esse pano de fundo que marca o período na França abordado no livro.

Há também uma ligação com o fato de que, ao tentarem modificar a situação em que vivem, os homens buscam em símbolos, atitudes, enfim, em referências do passado, prejudicando, segundo Marx, a ação do presente, já que não passa de uma repetição tosca de velhas ações. Para ele, a criação de algo novo não deve possuir resquícios/ligações com o passado, deve criar as novas condições (atitudes, símbolos, ações) para realmente instaurar algo novo e que possa se afastar da tragédia ou farsa citadas por Marx.

Como exemplo disso ele cita a formação burguesa do Estado após a Revolução de 1789, inspirada nos romanos, além dos ingleses inspirados no Velho Testamento, como formas que acabaram, de um jeito ou de outro, suplantando seu passado, desembocando na afirmação de Marx:

A ressurreição dos mortos nessas revoluções tinha, portanto, a finalidade de glorificar as novas lutas e não a de parodiar as passadas; de engrandecer na imaginação a tarefa a cumprir, e não de fugir de sua solução na realidade; de encontrar novamente o espírito da revolução e não de fazer o seu espectro caminhar outra vez[2]”.

Por conta disto, a crítica de Marx vai cair pesada no período entre 1848 e 1851, em que a “velha revolução” de 1789 paira em toda a França, fazendo com que o passado retorne ao presente e ameace o futuro. Ou seja, a sombra de uma França revolucionária impede que novas ações e idéias sejam pensadas e colocadas em prática, acomodando todos ao querer seguir os mesmos passos de antes, crendo que serão suficientes. Daí o que ele vai chamar de farsa, pois não passa de uma mentira a tentativa de reprodução de um período antigo, é preciso criar novas condições para superá-lo e não voltar a ele. Para Marx, os franceses estavam empenhados em uma revolução, ao mesmo tempo em que não se livraram da memória de Napoleão, como ficou claro nas eleições de 10 de dezembro que alçaram, por meio de sufrágio universal, o sobrinho Luis Bonaparte ao posto de presidente da República Francesa. Por isto, Marx sentencia: “A revolução social do século dezenove não pode tirar sua poesia do passado, e sim do futuro. Não pode iniciar sua tarefa enquanto não se despojar de toda veneração supersticiosa do passado[3]”.


[1] Marx, Karl. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. São Paulo: Escriba, 1968. Página 15.

[2] Idem, p. 17.

[3] Idem, p. 18.

Amanhã: 3. A luta de classes que alçou Bonaparte ao poder

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  1. 01/03/2010 às 2:59 PM

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