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Em busca do pinhão perdido

5h de viagem para achar pinhão na beira da estrada do PR

A vida é feita de loucuras. Pequenas, grandes, mas sair da sua frequência cotidiana é fundamental para não enlouquecer. O paradoxo está justamente na loucura que é viver uma vida de rotina apenas pelo cumprimento de tarefas, sem buscar coisas dissonantes que nos levem a outras sensações, sentimentos, momentos etc.

A nossa pequena loucura foi pegar o carro e sair “on the road” (Oi, Kerouac) até o Paraná para comprar pinhão direto da fonte. Era uma vontade rememorada em conversas há meses, algo como uma busca por ar respirável fora da bolha massacrante do cotidiano pandêmico. Pouco, muito pouco, mas já alguma coisa. Não cogitamos pousar em lugar algum por um simples motivo: a pandemia está em níveis altíssimos e a Patrícia ainda não completou seu esquema vacinal. Não dá pra bobear em ambientes fechados, sem ventilação, com estranhos.

E após conversas, a decisão veio no meio de semana, empurrada por uma avalanche de merda que parece não ter fim no Brasil, que acaba afetando até os núcleos mais próximos. E assim partimos, às 7h30 de um sábado chuvoso e friorento, sem imaginar como seria uma loucura dirigir sei lá quantas horas, “bater a mão numa parede” como em brincadeiras infantis e voltar.  

Vale do Ribeira: banana, neblina, morros e muito verde

Mas foi apenas no caminho que as coisas se revelaram uma loucura de fato. O tempo fechado do Litoral Sul se transformou em uma mini tempestade a partir do Vale do Ribeira, com chuva demais e visibilidade de menos. E caminhões, muitos caminhões enormes se digladiando com a gente, mudando de faixa a todo o momento para nos ultrapassar e a outros caminhões, também gigantes.

A primeira parada, com 1h30 de viagem, foi no já tradicional quiosque do palmito para adquirir provisões baratas e mais saborosas que as vendidas no mercado, na altura de Juquiá. Eu prefiro o palmito de pupunha, produzido em São Paulo, do que o de açaí extraído no Pará e, inexplicavelmente, vendido na maioria dos impessoais atacarejos da Baixada Santista – e provavelmente aí na sua cidade também. A velha banana chips também foi pra sacola, assim como uma pinga de Juquiá com gengibre e mel (coisa da Patrícia, vale dizer) e um patê de pimenta biquinho, na vã tentativa de sentir o sabor de uma pasta de pimenta biquinho adquirida numa viagem a Paraty – já experimentei e, infelizmente, não é a mesma coisa.

Minha parada favorita!

Depois, mais estrada. Mais chuva. E um frio muito pior do que estava no litoral, evidenciando que a roupa escolhida fora pouca, ainda que bem quente. E uma nova venda insana dissipada de nossos olhos: uma sequência de acidentes que deu vontade de parar tudo e voltar para casa. Ao longo de toda a viagem,a maioria no trajeto de ida, vimos seis acidentes. E foi de tudo: caminhão contra um barranco, caminhão e carro no vão central, automóvel de ponta a cabeça no meio da pista. Não à toa a Régis Bittencourt é conhecida até hoje como a “Rodovia da Morte”.

Mas, apesar dos acidentes, da chuva intensa em vários momentos e do frio dos diabos, seguimos, avançando pelo tortuoso e sinuoso trecho da BR-116 na Barra do Turvo, um pedaço da viagem repleto de curvas, serras, fiscalização eletrônica (alto risco de acidentes, as placas berram em amarelo marca texto) que leva um tedioso tempo para ser concluído.

A segunda parada foi em Antonina, já em território paranaense, num posto de gasolina com lanchonete, aqueles raiz, com café bom a 2 reais, não os Graal caros e insípidos da vida – paramos numa parada fresca na volta, nem era Graal, e a coxinha era 9 reais, desistimos. A atração desse lugar raiz é um monte de maritacas que ficam na janela cantando e recebendo comida dos viajantes. Mas dessa vez, com uma surpresa: o dono do lugar fez um comedouro suspenso do lado externo, o que atraiu vários outros pássaros, das cores mais belas e que eu nunca vi na vida. E lá se foi quase meia hora tirando fotos e admirando os amigos de penas coloridas.

Momento fofura da viagem

Um café para esquentar, um banheiro para se aliviar e lá vamos nós. Uma certa angústia nos acometeu, pois a medida que entrávamos na terra das araucárias (e eu apanhei horrores para achar uma fotografável do carro, parece que estão rareando), a chuva indicava que não iria dar trégua, o que diminuía e muito a chance de encontrar um vendedor de beira de estrada com sua panela de pinhão à lenha e sacos com quilos do alimento. E assim foi: Campina Grande do Sul, Quatro Barras, Piraquara, umas duas entradas para Curitiba e… nada. Chegamos a avistar pinhão, sem muita certeza, no outro sentido da via e pensamos: se não achar mais perto de Curitiba, a gente volta e pega de lá mesmo. Eu tinha medo de já encontrar fechado, devido ao tanto que chovia.

Quando avistamos mais um retorno, decidimos voltar para casa. Foi quando vi há uns 100 metros à frente um carro no acostamento, uma tenda laranja e uma kombi. Soltei: “acho que tem pinhão ali”. Ao que a Patrícia parou o carro já no retorno, virou e foi até o nosso El Dorado daquele sábado de outono. O senhorzinho foi nos buscar de guarda-sol no carro e nos ofereceu pinhão e café quentinhos. Nos sentimos recompensados após horas e horas na estrada. Perguntamos o motivo de só encontrá-lo ali, embora a gente já imaginasse. “É a chuva, quando está assim ninguém vem. Minha mulher mesmo brigou comigo: ‘vai fazer o que lá?’”. Ainda bem que ele foi. Levamos dois sacões de pinhão, um de bergamota (mexerica, para os paulistas) e saímos felizes em busca de um novo retorno para casa.  

Apesar de toda a chuva e frio, valeu a pena!

Na volta, uma paradinha na divisa para comprar queijo colonial e salame produzidos e vendidos na própria casa da Irmã Ivone, uma senhora bem simpática. Ainda tomamos café em outra vendinha-casa de vendedora também simpática e vimos mais passarinhos comerem banana, nos cachos vendidos aos montes por todo o trajeto.

Enfim, um total de 11 horas de viagem, praticamente ininterruptas, finalizadas com neblina, chuva e escuridão no trechinho de pista de faixa única entre Pedro de Toledo e Peruíbe, uma escuridão obliterada por alguns motoristas desgraçados que insistiram em não desligar seus faróis altos ao passarem por nós. Para deixar bem clara a loucura em que nos metemos.

Pinhão vende no mercado, você vai dizer. Sim, ainda que bem mais caro do que na fonte. Mas todo o resto não. Menos ainda a experiência, a vivência, o contato que nos faz sentir vivos e livres. E isso, após um ano e meio enfiado dentro de casa, apenas saindo para trabalhar e me expor ao vírus, governados por uma turba genocida, já é um imenso bálsamo.

Represa de Capivari serpenteia a BR-116 no PR
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